O deserto é uma região árida, coberta por um manto de areia em que é quase absoluta a ausência de vida, desabitado, vazio ou pouco frequentado, solitário, abandonado.
Essas são algumas das definições de deserto que encontramos nos dicionários, todos sabem o que é um deserto, no entanto para a analogia existencial de deserto faz-se necessário buscar o conceito da palavra.
Na vida passamos por desertos, momentos de privação e solidão, passar pelo deserto é se expor à uma tremenda sensação de ausência, de perda de coisas ou pessoas que nos são valiosas.
O deserto pode ser lugar de depressão também porque lá há solidão e aridez. Os desertos de nossa existência são abrasados pela chama de nossa consciência, sedentos por água que venha saciar a sede da nossa alma, é a prova de nossa fragilidade, da pretensa autossuficiência que se transforma em dependência, fazendo-nos enxergar o essencial.
Desertos são realidades existenciais inegáveis e muitas pessoas se tornam vítimas dos desertos ao longo da vida, e nenhum deserto é eterno, mas o processo é doloroso.
O deserto desvenda a verdade da condição humana, reduzindo o homem ao essencial, às necessidades elementares.
Os questionamentos são uma constante no deserto. Creio que existem três formas de se passar pelo deserto, fazendo as seguintes perguntas:
Por que, Pra quê e Como?
A primeira forma de atravessar é se perguntar “Por que”.
Por que isso está acontecendo comigo? O que eu fiz para merecer isso? “Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas”? Por que Deus (se existe) permitiu isso?
O foco está no passado, na relação de causa e efeito, e o mal como consequência de más condutas, “O que eu fiz para merecer isso”?
Como se o deserto fosse exclusivamente fruto de uma ação errada por parte daquele que sofre. Uma tentativa de dar significado as coisas ruins que nos acontecem.
Marcelo Rubens Paiva em seu “Feliz Ano Velho” recorre a esse tipo de argumento:
“Ora, eu estava absolutamente maluco naquela cama de hospital. Era inconcebível que as pessoas se preocupassem em se matar, guerrear. A violência do que havia acontecido comigo já era o suficiente. Se 'quem procura, acha', por que eu, que nunca bati em ninguém? Se 'quem fere com ferro, com ferro será ferido', oras! Ainda querem que eu acredite em justiça. Por que esses merdas dos generais, americanos, russos etc. não quebram a quinta cervical?”
Quando li Feliz Ano Velho pela primeira vez, era uma adolescente revoltada com a vida e fazia os mesmos tipos de questionamentos, me identifiquei com o autor. Ao ler pela segunda vez, depois de 20 anos, minhas questões haviam mudado.
A segunda maneira de passar pelo deserto é usar a questão “Pra que”. Agora o foco é no presente.
Pra que eu preciso passar por essa situação? Qual é a lição que devo aprender? O que essa circunstância quer me mostrar?
O deserto aqui tem a perspectiva de utilidade, uma situação ruim que deve ter um ensinamento a ser extraído. Nesse caso, quebramos a cabeça tentando achar a tal da lição, uma outra tentativa de dar sentido ao sofrimento.
A terceira pergunta do deserto é “Como”. O foco da pergunta está no futuro, usando o passado e presente. Essa pergunta é feita depois de passar pelas questões anteriores (Por que/Pra que). Como uma especie de estágio, “Como” é a pergunta que mais se aproxima ao anseio de dar sentido ao sofrimento humano.
Como isso pode contribuir para o meu bem? Como posso usar isso que me aconteceu para o bem de outras pessoas? Como (de que maneira) posso transformar essa experiencia ruim em algo frutífero? Como fazer dessa experiência uma lição para aqueles que me rodeiam? Como fazer do meu deserto um testemunho de esperança, fé e superação?
Passa-se a pensar no deserto não só de forma egoística, mas também comunitária.
As perguntas “Por que” e “Pra que” só enxerga o eu, o “Como” pensa também em atingir os outros, em ser um carta viva que pode influenciar positivamente a vida das pessoas.
Passei pelas três perguntas, e quando cheguei na última, minha conclusão foi que tudo o que já me aconteceu (bom e ruim) deve ser usado para honrar meu Criador. E o modo de fazer isso é transmitir meu testemunho (em ações e palavras), ser uma pequena amostra do Seu cuidado e Seu amor.
Usar minha experiencia de vida, principalmente os desertos para abençoar a vida de outras pessoas. Porque nem só de deserto a vida é feita, e quando não estou no deserto devo ser instrumento de Deus para levar água aos que lá se encontram. O Senhor me concedeu como ferramenta as palavras.
Escrever é a forma que encontrei para anunciar que Deus é bom, e que só é possível sermos transformados e qualificados ao atravessar o deserto quando confiamos Nele.