Após um grave acidente sofri um autoexílio, fiquei ausente de mim.
Uma forte sensação de não me pertencer se instaurou desde os primeiros
dias. Minha mente esqueceu quem eu era. Mesmo após a recuperação física, vivia
no automático; trabalhava, estudava, me relacionava, mas era como se não fosse
eu que estivesse ali, estava assistindo a minha própria vida. Não conseguia
falar sobre isso com ninguém, Como falar de algo que eu não conseguia nomear,
identificar?
Durante certo tempo tentei descrever a sensação de ter perdido a mim
mesmo. Eu que gosto tanto de palavras fiz um esforço para que alguma coubesse
em minha Ausência. Esmiucei o dicionário, acabei com o estoque de adjetivos
para tentar qualificar meus sentimentos, nenhum vocábulo foi suficiente para
descrever meu estado, de uma condição que me fez estranha de mim mesmo, uma
ausência desesperadora do meu eu.
Como se tudo que estivesse acontecendo fosse com outra
pessoa e eu estava apenas assistindo. Eu tinha sido arrancada da minha vida, da
minha história. Eu era uma espectadora/observadora da minha própria vida, fora
da realidade. Era como uma
sonâmbula diariamente, mas não apresentava mudanças significativas, por isso a
despersonalização passou sem ser notada por todos que me rodeavam.
♪
♫ ♩ ♫ Restitui, eu quero de volta o que é meu
♪ ♫ ♩ ♫
♫ ♩ ♫ ♪ Sara-me e põe teu azeite em minha dor ♫ ♩ ♫
♪
Ciente do meu estado, durante um ano fiz uma pasta para anotar
minha vida, como se fosse uma agenda com acontecimentos pessoais e do mundo.
Escrevi na primeira página: “O ano que não existi”, e lá coloquei as coisas
significativas que me aconteciam e também noticias do mundo. Eu tinha a sensação
de não lembrar das coisas, pois eu não me apropriava dos acontecimentos. Tinha
consciência que estava vivendo algo surreal e queria ter lembranças quando
voltasse a si.
Ainda não sabia o que estava de fato acontecendo, mas sabia que era
efeito do trauma do acidente. Sem saber que era uma doença, considerei como
temporário, que voltaria ao normal, não procurei tratamento, nem médico nenhum.
Permaneci nesse estado durante um ano e meio, a cura veio de forma
gradual, sem tratamentos, e um dia percebi que essa ausência de mim e da minha
realidade havia se dissipado. Milagre? Não sei, mas voltei a ser eu mesmo,
voltei para minha vida.
Após 4 anos, em um tratamento médico, relatando tudo o que vivi desde o
acidente, recebi o diagnóstico: síndrome de despersonalização/desrealização.
Apesar de já curada, fui procurar informações, descobri que se
encaixava exatamente na minha experiência. Como nunca tinha ouvido falar nisso?
Simples, a gente só se interessa por algo quando faz parte da nossa experiência
de vida.
Li relatos de pessoas com a doença e soube de filmes que tratavam do
assunto. Apesar de pouco popular, essa doença já atingiu muitas pessoas.
Resolvi contar minha experiência para torná-la mais conhecida, quem
sabe assim as pessoas possam identificar e lidar com ela de uma forma melhor.
O meu caso não foi grave (foi consequência do estresse pós-traumático), li relatos de pessoas que convivem com a despersonalização durante muitos anos. Felizmente fui curada e superei complemente a doença.
O meu caso não foi grave (foi consequência do estresse pós-traumático), li relatos de pessoas que convivem com a despersonalização durante muitos anos. Felizmente fui curada e superei complemente a doença.
Deixo abaixo algumas informações básicas:
Síndrome de despersonalização ou desrealização
Nas áreas da psiquiatria e da psicologia, a despersonalização (CID-9/10) é
entendida como uma desordem dissociativa, caracterizada por experiências de
sentimentos de irrealidade, de ruptura com a personalidade, processos amnésicos
e apatia. Pode ser um sintoma de outras desordens como transtorno bipolar, transtorno de
personalidade borderline, depressão, esquizofrenia, estresse pós-traumático e ataques de pânico. A
despersonalização pode ainda surgir com o consumo de drogas, como Cannabis ou Ecstasy; mas há outras
causas: esta pode desenvolver-se devido a uma exposição prolongada a estresse,
mudanças repentinas no contexto pessoal, laboral ou social, entre outros fatores.
A despersonalização encontra-se intimamente relacionada com a ansiedade.
Enquanto desordem isolada, é desencadeada pela vivência de uma situação
traumática, como maus tratos (de natureza física ou psicológica), acidentes,
desastres. Esta pode ainda despoletar-se no indivíduo se este atravessar um
conflito interno insuportável: a mente passa por um processo inconsciente de
dissociação - separa (dissocia) conhecimento, informações ou sentimentos
incompatíveis ou inaceitáveis oriundos do pensamento (realidade) consciente.
Foi descrita pela primeira vez pelo psiquiatra francês Ludovic Dugas.
De acordo com a última edição da DSM-IV (Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais) a despersonalização surge como uma desordem dissociativa: As
características essenciais do Transtorno de Despersonalização consistem de
episódios persistentes ou recorrentes de despersonalização, caracterizados por
um sentimento de distanciamento ou estranhamento de si próprio. O indivíduo
pode sentir-se como um autômato ou como se estivesse em um sonho ou em um filme.
Pode haver uma sensação de ser um observador externo dos próprios processos
mentais, do próprio corpo ou de partes do próprio corpo. (Fonte: Wikipédia)Escrevi o texto abaixo antes de conhecer a doença:
https://marciapinho.blogspot.com.br/2013/10/exilio.html