quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Exílio





             Após um grave acidente sofri um exílio, fiquei ausente de mim.
         Fisicamente estava completamente imobilizada, principalmente nos primeiros dias, só mexia os olhos. Emocionalmente nem sei, não tinha noção do estrago feito ainda. Não dormia e sentia dores o tempo todo. Quando, após uma semana, comecei a dormir sonhei que andava, não acreditava nisso, até acontecer comigo, depois fui pesquisar. Em entrevista, a deputada Mara Gabrilli relatou essa experiência e também outras pessoas que sofreram o mesmo tipo de trauma.
        Uma forte sensação de não pertencer a mim se instaurou desde os primeiros dias.
        Minha mente esqueceu quem eu era.
       Minha vida parecia como um quebra cabeça desmontado, com peças espalhadas, algumas faltantes. Precisava me remontar, peça por peça. De que forma e por onde começar?
    O acidente havia chacoalhado todas as informações. Conhecimentos, palavras, lembranças, pessoas e tudo o mais que fazia parte da minha vida, parecia como um filme, estavam ali, entretanto o meu cérebro não fazia as conexões necessárias para dar sentido às informações. Mesmo após a recuperação física, vivia no automático; trabalhava, estudava, me relacionava, mas era como se não fosse eu que estivesse ali, estava assistindo a minha própria vida.
       Eu tinha a sensação de saber que sabia, mas não conseguia dar sentido.
      Perguntava todos os dias: “Meu Deus, o que vai ser de mim? Nunca mais voltarei a ser eu mesma? Quem me roubou de mim?"
     Não conseguia falar sobre isso com ninguém, aprendi na faculdade que aquilo que não tem nome, não existe. Como falar de algo que eu não conseguia nomear, identificar? Era como se não existisse mesmo, mas existia. Estava ali o tempo todo. Uma falta, uma ausência desesperadora de mim.

            “Oh. pedaço de mim,
             Oh, pedaço arrancado de mim...
 Oh, metade exilada de mim
 Oh, pedaço de mim
 Oh, metade amputada de mim... ”
          
           
                        (Chico Buarque)

      Um período na minha vida em que a única diferença entre eu e uma pessoa que perdeu a memória, é que apesar de não saber quem eu era, sabia que não tinha perdido a memória. Eu lembrava de tudo, mas era como se não pertencesse a mim, a minha vida, como se tudo que estivesse acontecendo fosse com outra pessoa e eu estava apenas assistindo. Eu tinha sido arrancada da minha vida, da minha história.
   Algumas coisas serviram de terapia; livros, músicas e qualquer coisa que estivesse relacionada com minha recente experiência. Reli Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva, assisti ao filme Menina de Ouro, assisti várias vezes Frida e li reportagens e artigos sobre o assunto. 
      Mesmo não ficando paralitica, tinha a sensação de estar aleijada. Estava amputada, faltava uma parte de mim, e não sabia como recuperar. O que mais podia fazer a não ser orar? Clamar ao Deus da minha salvação?
    Foi quando eu fiz da música “Restitui” uma das minhas inúmeras orações:

           
“Os planos que foram embora
O sonho que se perdeu
O que era festa e agora
É luto do que já morreu
Não podes pensar que este é teu fim
Não é o que Deus planejou
Levante-se ... erga um clamor:
Restitui, eu quero de volta o que é meu
Sara-me, e põe teu azeite em minha dor
Restitui, e leva-me às águas tranquilas
Lava-me, e refrigera minh'alma
Restitui
Restitui... eu quero de volta o que é meu...”

Orava para ser devolvida a mim, para ser restituída de meu ser.
     Foi uma fase de intenso sofrimento e aprendizado, hoje estou recuperada mais emocionalmente do que fisicamente.
            Força de vontade? Um pouco. Destino? Não creio. Milagre? De certa forma sim.
       O fato é que restabeleci o controle da minha vida, voltei a andar, recuperei minha identidade, mas inevitavelmente uma parte se foi, como um casulo que precisava sair para dar lugar às asas.
      Aprendi com esse exílio que nada, absolutamente nada, é definitivamente nosso. Nem mesmo a subjetividade, a pessoalidade, lembranças, memórias, identidade, vivências; tudo isso um dia a gente pode perder, e de um instante ao outro toda sua vida muda.
            São nesses momentos que constatamos que somos poeira


domingo, 13 de outubro de 2013

Os caçadores de polêmicas



Publicam textos provocativos e ácidos no intuito de notoriedade. Há dois tipos de pessoas que entram no jogo: os desavisados que caem na armadilha acreditando se tratar apenas de uma troca de ideias e os cúmplices, aqueles que também são caçadores de polêmicas.
Discorrem sobre temas como homossexualidade, direita x esquerda, aborto, entre outros bem  complexos; assim eles podem desfilar seu amplo repertório filosófico, sociológico, histórico e antropológico para defender seu ponto de vista. Se vangloriam de ter argumentos (quase) incontestáveis. Usam termos já desgastados como “vai estudar” e “contra fatos não há argumentos”. Num afã por prestigio chamam ao ringue seus amigos para um “debate inteligente”, numa competitividade de jardim da infância.
Em busca de popularidade, causam frisson, geram contendas, fazem fuxico que não contribui em nada com uma real mudança. Qualquer um que se coloque em posição contrária é logo taxado de preconceituoso, aliás o fator preconceito é um argumento tão raso quanto o “vai estudar”.
Vanglória é glória vã, vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
Discussões que geram contendas, animosidade entre amigos por  “quinze minutos de fama”? Tô fora!

Carta ao meu futuro marido

        


       Minha intenção era ter um homem que fosse um amigo,  que meu marido fosse  meu melhor amigo, você é esse homem. Meu amor:  antes da nossa relação ser romântica, éramos amigos, exatamente como gostaria que fosse.
Para as pessoas que não conhecem a nossa história sempre ouviremos: “onde se conheceram?” Estou preparada pra responder essa pergunta milhares de vezes até o fim. Mesmo em momentos que ficará cansativo contar tudo de novo, terei prazer em narrar nosso encontro de almas para não deixar que a crença no amor se apague. Que nossa história (re)acenda a esperança no amor.
Serei sempre grata ao Senhor que trilhou nosso caminho e fez a bifurcação de nossas histórias. E não me importa se as circunstâncias foram ruins ou boas, o importante é que estamos juntos.
Sei que no começo tínhamos ideias diferentes a respeito do outro, mas o tempo com qualidade aprofundou nossa relação e tivemos a oportunidade de nos conhecermos bem. 
Sei  muito mais sobre você do pensava querer saber sobre alguém, porém não foi tão rápido como a ansiedade feminina prevê.
Mas soube nas primeiras conversas que era para você que eu queria abrir meu coração e  deixá-lo morando por muito tempo.
Você soube me conquistar no tempo certo, nem muito cauteloso, nem atirado demais. O “timing” é um dos sinais de que a pessoa certa entrou em nossa vida.
Conquistou-me, sendo romântico de um jeito todo especial e único: o seu.
 Deixando meus dias mais leves, deixando também um sorriso discreto e bobo ao pensar em nossos momentos.
O conforto de saber o que pensamos sem precisar de intermináveis discussões desnecessárias. Claro que tivemos muitos conflitos e continuaremos ter, pois assim se constrói e mantêm uma relação saudável, mas o fato de  respeitarmos nossos limites me apazigua. Sei que o limite de nossas discussões será o do consenso, sem chegar ao ponto de nos ferirmos.
E se por instinto puramente humano nos ferirmos, estamos disponíveis ao perdão e ao recomeço.
Amar você me faz ver todos os homens lindos como um quadro: apenas para admirar, pois só você toca a minha alma. Talvez seja por isso que o ciúme nunca foi nosso inimigo. Sei que para você as outras mulheres são obras de arte: belas e intocáveis, não por proibição, mas por saber diferenciar erotismo de amor. Pode ser que um dia sintamos desejo por outra pessoa, mas nosso amor será sempre prioridade.
Quero por fim agradecê-lo, por caminhar esta estrada tão tortuosa junto comigo, a estrada de construir um relacionamento sólido; estrada íngreme, cheia de buracos, desníveis e repleta de curvas.
Abrimos mão de tantas coisas para continuar seguindo juntos porque acreditamos que amar não é olhar um para o outro, mas olharmos juntos na mesma direção. 
Sonhamos os mesmos sonhos e temos como  propósito  o fim supremo.