Muito tem se falado sobre o movimento politicamente correto
que engloba a linguagem como uma das principais ferramentas ideológicas. Na
contramão do politicamente correto há publicações de livros; uma coleção
inteira de guias politicamente incorretos (da filosofia, do rock, do sexo, da
história etc.), programa de televisão, filme entre outras coisas. A Secretaria
de Direitos Humanos lançou em 2004 a cartilha “Politicamente Correto &
Direitos Humanos”. [1] O governo oficializou o que
já estava em ação no movimento. Afinal o que é o politicamente correto? Segundo
Maria Helena de Moura Neves [2]
O
“politicamente correto” é, atualmente, bandeira que se levanta para interpretar
atos do dia a dia, numa onda de patrulhamento que tem presença notável na
sociedade, com dupla influência e significação: bem-intencionada que é, cria a
impossibilidade de qualquer refutação, parecendo intolerável que seja
condenada, ou que seja sequer questionada; por outro lado, mal inserida nas
mais diversas atividades, como indiscriminadamente vem sendo, é tão intolerável
quanto as próprias incorreções políticas. [3]
Como amante das Letras, andei refletindo sobre a dupla face
da atual linguagem. O ser humano se distingue dos animais pela
linguagem/pensamento, que são duas faces de uma mesma moeda. Segundo o
estudioso da linguagem Lev Vygotsky (1896-1934): “O pensamento não apenas se
expressa em palavras; ele adquire existência através delas”.[4] Portanto é por meio das
palavras que o ser humano pensa e articula ideias.
“A linguagem é o modo do pensamento se tornar efetivo. (…)
Ninguém pode pensar sem palavras.” [5] (Friedrich Schleiermacher)
Existem diversas obras no campo linguístico que dissertam
sobre a relação linguagem e formação de ideias. Para evidenciar tal afirmativa
registro mais uma.
[…]
A linguagem como elemento de mediação necessária entre o homem e sua realidade
e como forma de engajá-lo na própria realidade, é lugar de conflito, de
confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade, uma vez que
os processos que a constituem são histórico-sociais. [6]
A semântica tem papel fundamental nesse processo de
linguagem-pensamento. Semântica é um ramo da Linguística que estuda o
significado das palavras, frases e textos de uma língua. E o que a
semântica tem a ver com o politicamente correto? Os ideólogos do movimento
fazem uma espécie de “blindagem semântica”, isto é, envolve significados em
palavras/expressões que de certa forma retiram ou diminuem seu verdadeiro
sentido, alterando não só a linguagem como também os pensamentos respectivos.
O movimento politicamente correto que domina a mídia e as
redes sociais, muitas vezes distorcem os fatos, amenizam erros, simplificam o
complexo, e nos fazem engolir o que não é aceitável. Além disso, pode ser usada
para manipulação interpessoal com objetivo de acobertar realidade ou coagir
comportamentos, é uma espécie de patrulha da linguagem/pensamento. Como diz
Fiorin: “O discurso é, pois, o lugar das coerções sociais”.[7]
Como é feito essa patrulha/coerção? Justamente pela
linguagem, de forma tão sutil que é imperceptível à grande massa. Aos poucos,
jornais, revistas, programas de TV, novelas e músicas têm trocado
palavras/expressões comuns do dia a dia pela cartilha não oficial do
politicamente correto. Em todos os lugares lemos frases de efeito, jargões,
clichês que não significam nada, são vazios de sentido, porém amplamente
divulgados. As pessoas reproduzem sem conhecer de fato seus significados, uma
forma de emburrecimento sutil e crescente em larga escala.
Há tempos não ouço/leio mais a palavra aleijado, agora é
deficiente físico. A cartilha oficial está repleta de palavras/expressões que
foram substituídas. Alguns termos foram eufemizados, outros foram reformulados
(ex: sapatão por lésbica) e há palavras que foram expulsas do vocabulário,
alguns termos são proibidos socialmente.
No movimento politicamente correto um dos recursos mais
usados é o eufemismo, uma figura de linguagem que tem o objetivo de suavizar
uma palavra ou expressão que possa ser rude ou desagradável. Consiste na troca
de termos ou expressões que possam ofender alguém por outras mais suaves, seja
por serem indelicadas ou grosseiras.
Ex: “O vizinho partiu dessa para melhor.” (Forma branda de
comunicar a morte/falecimento).
Outro recurso usado é a linguagem técnica/profissional, uma
linguagem especifica de alguma área profissional (ex: jurídica, médica etc.).
Essa linguagem pode ser utilizada no exercício de suas atividades
profissionais, em conversas com leigos no intuito de esclarecer/ confundir o
ouvinte, ou ainda usada de forma falaciosa como argumento de autoridade
(bastante utilizada por meios de comunicação em massa).
Exemplo: Apresentora de TV diz “Vamos chamar o Dr. Bráulio
Balela para falar sobre aborto”.
Parece-lhe familiar? Em contra partida há expressões/termos
que não são pejorativo-ofensivos, no entanto tornaram-se indesejáveis por uma
questão ideológica. Há ainda outras palavras que mudaram de significado para
atender a agenda do movimento. Vamos aos exemplos. A palavra denegrir na
cartilha do governo:
“Denegrir ou denigrir – Esse verbo, com o sentido de aviltar,
diminuir a pureza, conspurcar, tornou-se ofensivo aos negros e, por essa razão,
deve ser evitado.” [8]
Para o movimento negro/afrodescendente tal palavra é
inaceitável. No entanto ao pesquisar a origem, histórico e uso no decorrer de diversos
contextos é possível concluir que a palavra “denegrir” não é referência para o
racismo.
E o que dizer das palavras “fascista” e “nazista” que
lamentavelmente foram tão banalizadas, distorcidas, modificadas?
Enfim, há uma série de fatores para considerar quando
analisamos a linguagem de uma comunidade.
Gostaria com esse artigo de alertar sobre o uso de palavras;
não se enganem, não existe neutralidade na linguagem, consciente ou não, o que
você diz revela o que pensa.
Referências Bibliográficas
[1] <http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/a_pdf_dht/cartilha_politicamente_correto.pdf> Acessado em 07/12/2017
[2] Livre-docente
pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Professora da UNESP-Araraquara e da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico
(CNPq). E-mail: mhmneves@uol.com.br
[3] <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/124851/ISSN1980-6914-2012-14-02-198-207.pdf?sequence=1> Acessado em 07/12/2017
[8] <http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/a_pdf_dht/cartilha_politicamente_correto.pdf> Acessado em 07/12/2017
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