segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Lei e misericórdia

 


Certa vez machuquei o joelho numa queda. Estava na rua e caí, o joelho bateu forte no asfalto e começou a sangrar. Não conseguia andar por causa da dor, um rapaz me ajudou levando-me  até um banco na praça bem em frente do local da queda.
Assim que sentei, olhei para o joelho e vi um buraco sangrando muito, a única coisa que tinha em minha bolsa para tentar segurar o sangramento era papel higiênico, mas ele logo ficava encharcado, pois sangrava muito. O moço que me ajudou antes de seguir seu caminho deixou um esparadrapo comigo, coloquei um monte de papel higiênico e enrolei com esparadrapo, ali mesmo no banco na praça. Passado alguns minutos e um pouco do nervoso de ver tanto sangue (sim sou dessas) vi uma farmácia bem em frente a praça.
Com muita dificuldade caminhei, mancando e com dor até lá, expliquei o que havia acontecido e pedi que fizessem um curativo. A atendente disse que não podia, ainda tentei convencer outro atendente, sem sucesso. Disseram que era proibido por lei fazer curativo em farmácia e falaram para ir ao hospital.
Fiquei bem chateada, pois mal conseguia andar, estava com o dinheiro da passagem contado; portanto não poderia ao menos chamar um Uber. O hospital mais próximo ficava há três quarteirões, distância curta para quem está saudável, não para mim que mal conseguia andar.
Ainda permanecei algum tempo no ponto de ônibus tentando decidir se deveria tentar caminhar até o hospital ou ir direto pra casa. Tenho uma vizinha que trabalha na área da saúde, e poderia pedir pra ela fazer o curativo quando chegasse do trabalho.
Não consegui ir ao hospital, fiz eu mesmo o curativo quando cheguei em casa.
Fiquei pensando nos atendentes da farmácia que não só se recusaram a fazer o curativo, afinal era proibido, como também não pensaram em me vender os itens para que eu mesmo fizesse. Simplesmente disseram “não é permitido”, sem empatia, sem nenhuma recomendação, a única sugestão foi “vá ao hospital”. Funcionários exemplares, cumpridores da lei, orgulhos do patrão. Fizeram sua obrigação, seu dever de casa.
Quantas vezes agimos assim? Ficamos do lado da “lei”, do pode ou não pode, valorizamos as regras e não pessoas?
Nesse caso não era algo muito grave, que gerasse consequências sérias a longo prazo, a questão é: como discernir quando devo abrir mão da lei, do estatuto em favor do ser humano?
 

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