“Só
há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Julgar se a vida
vale ou não vale a pena ser vivida é responder a questão fundamental da
filosofia”. Albert Camus
Essa é uma questão filosófica,
que envolve o sentido da vida. Toda pessoa deveria pensar e responder essa
pergunta. Todos os dias pessoas cometem suicídio. As razões são diversas; perda
do trabalho, crise financeira, luto, doenças, crise afetiva amorosa. Por alguma
razão o peso da vida se tornou insuportável, não enxergando mais motivos para
viver ou por não conseguir uma maneira de superar os problemas, vê-se a morte como
uma solução, a única saída para o absurdo da vida. Uma das razões mais comuns
para o suicídio é a depressão.
Transtorno e sofrimentos
psicológicos parecem se espalhar pelo ar nos nossos dias, como um vírus que
contamina a vida moderna. Nossas dores se multiplicam e ganham nomes, centenas
de nomes. E organizações de saúde já falam em uma epidemia de depressão. Ela é
um demônio que não nos deixa levantar, que nos espreita ao meio dia, que caminha
ao nosso lado como uma sombra. O que não muda nunca é o sofrimento humano, mas
em um mundo hedonista não há espaço para as angustias, coisa de gente mal
resolvida. Falar de melancolia é falar da dor humana e do sentido da vida.
Luiz Felipe Pondé
Luiz Felipe Pondé
O suicídio é um assunto bastante
delicado e um tabu, repleto de opiniões divergentes. Há quem diga que a pessoa
que tira a própria vida é covarde, fraco por não continuar lutando. Há quem diga
que o suicida é corajoso por ir contra a natureza humana de preservação da
vida. Não creio que essas visões abarcam a totalidade da questão. Durante muito
tempo pensei em escrever sobre o assunto, sem saber como dissertar sem me expor,
acho que não sei escrever sem ser autobiográfica.
Certa vez um amigo me perguntou: “Você
acredita em milagres?”.
Minha resposta: “Minha vida é um
milagre, toda a minha vida é um milagre. Eu vivo de milagres.”.
Poucas pessoas conhecem minha
história, gostaria de contar tudo o que vivi e tornar públicas as minhas
experiências. Talvez ainda não seja o momento. Por enquanto vou dando
“spoilers”. Acredito no poder do testemunho e tornarei pública minha
experiência com o suicídio.
A tristeza se fez presente muito
cedo em minha vida, tinha uma personalidade melancólica, pessimista e cética; quase
um Schopenhauer de saia.
Por volta dos doze anos de idade,
eu tentei me matar. Já era um pensamento recorrente, mas não sabia como colocar
em prática.
Prestando atenção nas reportagens sobre artistas que morreram de overdose descobri que muitas dessas overdoses envolviam uma mistura de drogas/remédios com álcool. Foi nessa época que li o relato do Marcelo pela primeira vez, o autor conta em “Feliz Ano Velho” que tentou o suicídio, como bem sabemos sua tentativa não deu certo. Mas comigo daria, pensei.
Prestando atenção nas reportagens sobre artistas que morreram de overdose descobri que muitas dessas overdoses envolviam uma mistura de drogas/remédios com álcool. Foi nessa época que li o relato do Marcelo pela primeira vez, o autor conta em “Feliz Ano Velho” que tentou o suicídio, como bem sabemos sua tentativa não deu certo. Mas comigo daria, pensei.
“Que
loucura, o que está acontecendo? Eu aqui deitado, sem poder me mexer. Essas
pessoas que nunca tinha visto antes, esse lugar, o que é tudo isto afinal? A
única certeza que tenho é de que estou vivo e muito lúcido. Consigo me lembrar perfeitamente
do acidente, do meu passado, de tudo, enfim. Minha cabeça está a mil por hora e
eu aqui paralisado: não poderia ter acontecido algo tão sério assim, será?”[...]
Não tinha o mínimo sentido. As lágrimas rolaram, chorei sozinho, ninguém
poderia imaginar o que eu estava passando. Nada fazia sentido. Todos sofriam
comigo, me davam força, me ajudavam, mas era eu que estava ali deitado, e era
eu que estava desejando minha própria morte. Mas nem disso eu era capaz, não
havia meio de largar aquela situação. Tinha que sofrer, tinha que estar só, tão
só que até meu corpo me abandonara. Comigo só estavam um par de olhos, nariz,
ouvido e boca. Foi o que eu prometi a mim mesmo. “Se eu não voltar a andar,
darei um jeito qualquer pra me matar.” Era bom pensar assim. Eu não tinha medo
de morrer. Era muito mais fácil a morte que a agonia daquela situação.
Marcelo Rubens Paiva
Numa noite antes de dormir, fui
até a caixa de remédios dos meus pais e peguei vários comprimidos, não entendia
nada de medicamentos e não fazia a menor ideia do que estava pegando. Tomei os
comprimidos junto com um copo de aguardente, a famosa pinga 51. Deitei-me achando que morreria enquanto dormia
e no dia seguinte amanheceria sem vida.
Quando acordei no dia seguinte, a primeira coisa que pensei foi: "Droga! Não morri!" e "Nem pra morrer eu presto!”.
Quando acordei no dia seguinte, a primeira coisa que pensei foi: "Droga! Não morri!" e "Nem pra morrer eu presto!”.
Nunca mais tentei acabar com a
minha vida, mas pensei inúmeras vezes.
Anos mais tarde descobri que os remédios que eu havia tomado eram homeopáticos e, portanto não tinham o poder de matar. Uma das coisas mais ridículas da minha biografia com certeza. Minha história com o suicídio não termina aqui, ainda.
Anos mais tarde descobri que os remédios que eu havia tomado eram homeopáticos e, portanto não tinham o poder de matar. Uma das coisas mais ridículas da minha biografia com certeza. Minha história com o suicídio não termina aqui, ainda.
Já adulta fiz trabalho voluntário
numa ONG de prevenção ao suicídio. Coincidência?
Trabalhei mais ou menos 10 anos e ouvi coisas inimagináveis. Protegidas pelo anonimato, as pessoas não tinham receio algum e rasgavam seus corações para os voluntários. Um trabalho que me fez adentrar no mundo daqueles que perderam a vontade de viver, caminhando com suas dores, consegui sentir melhor os dois lados da moeda, isto é, a vontade de partir ao mesmo tempo, o desejo de ficar. O fato de conhecer tão bem o drama de quem não quer mais viver, me fez valorizar mais a vida. A verdade é que eles não queriam de fato morrer, queriam deixar de sofrer, acabar com a dor.
Trabalhei mais ou menos 10 anos e ouvi coisas inimagináveis. Protegidas pelo anonimato, as pessoas não tinham receio algum e rasgavam seus corações para os voluntários. Um trabalho que me fez adentrar no mundo daqueles que perderam a vontade de viver, caminhando com suas dores, consegui sentir melhor os dois lados da moeda, isto é, a vontade de partir ao mesmo tempo, o desejo de ficar. O fato de conhecer tão bem o drama de quem não quer mais viver, me fez valorizar mais a vida. A verdade é que eles não queriam de fato morrer, queriam deixar de sofrer, acabar com a dor.
Não pensei em tirar minha vida
durante muito tempo, até ser atingida por uma tragédia, de fato. No auge da vida adulta sofri um grave acidente de trânsito. Era independente, trabalhava, fazia faculdade, tinha uma vida
social ativa e em menos de um segundo tudo mudou. “Feliz Ano Velho” foi relido, teve um efeito catártico.
Após meses imobilizada numa cama,
meses de fisioterapia, sofri também as consequências psicológicas. Tive quatro
doenças simultâneas: estresse pós-traumático, depressão, transtorno de ansiedade
e de despersonalização. Tudo junto e
misturado.
Então o pensamento de morte voltou, era uma
ideia extremamente atrativa diante do que estava vivendo.
Em meio ao tratamento
psicológico, fui liberada para voltar ao trabalho pelo médico da Previdência Social.
Durante certo tempo tentei
descrever a sensação de ter perdido a si mesmo, de se ter um buraco negro
dentro d’alma. Eu que gosto tanto de palavras fiz um esforço para que alguma coubesse
em minha Ausência. Esmiucei o dicionário, acabei com o estoque de adjetivos
para tentar qualificar meus sentimentos, nenhum vocábulo foi suficiente para
descrever meu estado. A dor que eu sentia era inominável!
Todos os dias eu ia trabalhar usando
o metrô, e era na espera pelo trem que a ideia de morte batia mais forte. Ouvia
uma voz que dizia: “Vai, se joga na frente do trem, será rápido e indolor, é
morte instantânea, acaba de uma vez com essa dor.”.
Era uma tortura. Todos os dias
enquanto aguardava o trem, essas palavras se repetiam na minha cabeça. Dia após
dia, Vida e Morte travavam uma guerra no meu íntimo.
Mas todos os dias a Vida ganhava,
o Espirito Santo me lembrava de todas as vezes que vi a Morte face a face, e
uma voz dizia: “Você sobreviveu até aqui, escapou várias vezes, tem uma razão
para continuar vivendo, você tem uma missão a cumprir, Ele te chamou, continue
lutando.”.
Pensava em Cristo, na minha
salvação espiritual e quem sabe a salvação física fazia parte também? Por que
não morri no acidente? Por que não morri das outras vezes que minha vida ficou
por um fio? Deve haver uma razão para ter sobrevivido. E se realmente não é
minha hora? E se mais uma vez eu sobreviver?
Cheguei à conclusão definitiva que
não sou dona de mim. Minha vida não me pertence. O Senhor a comprou com Seu sacrifício
na Cruz. É Ele quem decide quando e como partirei. Não devo, não posso e não quero
ir contra o Dono da minha vida.
Por que eu não me mato?
Sei que meu Redentor vive e a esperança é a âncora da minha alma.
Sei
principalmente que não existe vida fora da Palavra.