As cenas ainda permanecem em minha cabeça...Junho de 2010. Saí de casa por volta das 6:30 h da
manhã como de costume para trabalhar, meu trajeto incluía uma rodovia. Andava
no corredor como todos os motociclistas, um carro saiu repentinamente de sua
faixa para entrar na outra, não dava tempo de frear, tentei desviar, bati no
veículo seguinte. Literalmente voei, fui jogada alguns metros adiante, o
capacete saiu da minha cabeça, caí de costas no asfalto.Estava no chão, literalmente quebrada, a reação automática foi tentar
levantar, mas eu não conseguia me mexer. Um monte de pessoas falando comigo ao
mesmo tempo, parecia que eu estava fora de mim.
Poucos minutos depois o resgate
chega, era o carro dos bombeiros, quando eles me pegaram para me colocar na
maca, a dor foi tão intensa que nem consigo descrever, não conseguia falar, só
dor, só gritos.Chegando ao hospital, apaguei. Acordei oito horas mais tarde, na sala
de cirurgia, olhei para o meu corpo e levei um susto, havia sido aberta e
costurada. Entrei em estado de choque.A partir desse momento as lembranças se embaralham bastante, a noção de
tempo numa situação como essa é completamente diferente do tempo da vida
normal. Um dia no hospital imobilizada, olhando para o teto equivale há muito
mais que 24 horas, eu sentia muita dor o tempo todo.
Minha situação de saúde era a seguinte: estava com a bacia quebrada em dois
pontos diferentes, uma lesão na coluna entre a lombar e a medular, um edema
cerebral, diversas escoriações pelo corpo e o rosto todo machucado, inchado e
roxo da pancada. A bacia quebrada parecia ser o que exigia mais cuidado, a
lesão na coluna preocupava muito porque não se sabia exatamente qual era o
ponto da lesão, se fosse só na lombar tudo bem, mas se a lesão também tivesse
atingido a medula tinha certa probabilidade de paralisar os movimentos dos
membros inferiores, em outras palavras, corria o risco de ficar paraplégica.
O edema cerebral era por causa da batida, que graças ao capacete não
aconteceu nada mais grave, aliás, foi um milagre não sofrer danos sérios no
cérebro (será mesmo?!). Porém esse edema cerebral me deixava com dores muito
fortes na cabeça, não conseguia pensar. E o rosto? Bem, meu rosto estava
desfigurado, o inchaço fez com que meus olhos sumissem, no lugar havia duas
enormes “beterrabas”, nem dava para ver meus olhos, mas estava enxergando
ainda, estar hoje com o rosto perfeito é mais um milagre na minha vida.A bacia quebrada não me deixava mexer, afinal a bacia é o elo entre o
tronco e os membros inferiores, então só mexia os olhos.
A dor se tornou parte
de mim, 24 horas por dia, até mesmo respirar doía. A dor era tão grande que não
tinha forças para gritar ou chorar, conheci a expressão bíblica “gemidos
inexprimíveis”.
“Da mesma forma o
Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio
Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os
corações conhece a intenção do Espírito, porque o Espírito intercede pelos
santos de acordo com a vontade de Deus. Sabemos que Deus age em todas as coisas
para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu
propósito.”(Romanos 8. 26-28).
Não dormi alguns dias, por mais
que tentasse e quisesse, como adormecer com tanta dor?
“Ai de mim! [...] Estou exausto de tanto
gemer, e não encontro descanso”. (Jeremias 45:3)
Pedia para as enfermeiras darem remédios pra passar a dor, eu já estava
medicada era a resposta, mas porque a dor não passava? Os dias foram se
passando e a dor não diminuía, estava ficando louca por não dormir. Um dia
consegui conversar com o médico e falar sobre o fato de não dormir por causa
das fortes dores. O médico me disse que a dor de cabeça era por causa do edema
cerebral, uma espécie de inchaço no cérebro, e que esse inchaço diminuiria com
o passar do tempo até sumir completamente, e que nesse caso remédio não faria
efeito, o negócio era ter paciência e esperar passar, ele não poderia me dar
remédio para dormir porque estava ainda em observação, estavam estudando meu
caso e remédio para dormir não ajudaria o meu estado clínico. Que ótimo!
Dormir
era tudo o que eu mais queria, significava não sentir dor e por alguns momentos
esquecer o que estava acontecendo, mas para meu desespero tive que ficar dias
sentindo dor ininterruptamente.
Não pensava sobre o acidente em si, ou sobre as
consequências dele, eu realmente não tinha condições de pensar, estava tomada
pelo desespero do sono e da dor.
Com os gemidos inexprimíveis aprendi que a vida é
demasiadamente fugaz.
Que a cura, tanto física quanto emocional, é uma
necessidade humana universal.
Que não tenho o controle de absolutamente nada
nessa vida.
E que é humanizador enxergar a vida através das
lentes do sofrimento.
Por fim, entendi que quando não podemos mais
falar, quando a nossa dor é tão grande aponto de não conseguirmos expressá-la,
Deus nos ouve.
Conforta-me saber que nas horas em que não temos
como articular um pensamento, uma frase ou um grito, naqueles momentos em que
não sabemos expressar nossas angustias, só Ele para ouvir nossos gemidos
inexprimíveis.
Que podemos confiar na promessa da ação do
Espírito Santo em nossas vidas, Ele nos assiste, nos protege em nossas
fraquezas, intercedendo por nós.