quinta-feira, 15 de março de 2018

Soberba literária: eis a questão!




Por volta dos 13 anos de idade tive o primeiro contato com os textos de William Shakespeare. Tinha um primo que estudava teatro e eu passava alguns dias das férias na casa dele. Havia uma coleção de livros bonitos, vermelhos, uns 20 em média, todos iguais, no mesmo tamanho (altura) de capa dura na estante. Assim que vi fiquei interessada, coleções sempre chamam a atenção numa estante.
Eu não sabia quem era Shakespeare, simplesmente os livros estavam a minha disposição.
Gostei do Will logo de cara, acho impossível alguém não gostar dele.
Aos 20 e poucos anos, já conhecendo a importância do autor, tagarelava minha façanha vez ou outra: "Li Shakespeare na adolescência.”.
A verdade é que fui uma privilegiada, aos 20 anos conhecia Shakespeare, Machado e mais um pouco de boa literatura.
Livro é artigo de luxo, no sentido monetário, social e intelectual.
(Obs.: Acredito sim que há bons livros e outros nem tanto).
A soberba me picou, de tempos em tempos contava das minhas “altas” experiências literárias.
Isso demorou um bom tempo para passar. Até o dia em que alguém me disse:
 “Você não leu Shakespeare, você leu uma tradução de Shakespeare”.
Talvez você esteja se perguntando: "Mas não é a mesma coisa? O conteúdo é o mesmo.”.
Não, não é a mesma coisa, até o fim do artigo espero que compreenda.
Então eu entendi uma série de coisas.
* Ler por ler, ler só para aumentar a lista de leitura, ler para se encher de conhecimento, ler para mostrar ou postar nas redes sociais... Tudo isso é pura vaidade, vazio.
* Se ler muito e ler bons livros te faz soberbo, melhor continuar inculto. Não ter bom conhecimento literário é ruim, mas não é pecado.
* Ler muito e ler bons livros pode te fazer desprezar outras leituras excelentes, só porque não consta na lista de "bons livros".
* Há diversos tipos de leituras e você não precisa menosprezar uma em detrimento da outra.
* Ler para alimentar a alma, ler para se divertir, ler para se informar, ler por obrigação. Todas as leituras podem conviver e também convergir.
* Uma leitura leva à outra. Todo autor bebe de alguma fonte, a partir de uma obra você acaba conhecendo outras. Todo obra tem referências (diretas ou indiretas). Não existe obra totalmente original (pelo menos eu desconheço). Até mesmo a Bíblia teve "inspiração". (Não, não vou entrar na questão).
* Se o seu conhecimento literário (ou qualquer outro) não te faz uma pessoa melhor, se as suas leituras não servem ao próximo, pare!
* Ler adaptações, traduções e outros tipos de leituras "não originais", tem seu valor, dependendo do contexto. Eu não teria conhecido Shakespeare sem tradução.
O último ponto me faz valorizar a tradução e também o trabalho de muitos escritores que compilam/mastigam obras inacessíveis ou temas complexos e tornam acessíveis.
Algumas coisas ficariam difíceis se tivéssemos que ler/pesquisar diretamente da fonte original.
Ao mesmo tempo, esse último ponto também me diz que não tenho que me ensoberbecer por ter lido Shakespeare tão cedo. Na verdade não li Shakespeare cedo, eu o conheci. Isso faz muita diferença.
Ler Shakespeare significa ler em inglês, conhecer outro idioma. E se você ainda acha que não faz diferença ler em português ou em inglês, as obras originais do Will são em inglês arcaico e não em inglês Netflix.
Para terminar, Willian Shakespeare inventou milhares de palavras e causou mudanças na linguagem.
Ler Will no original significa não só conhecer outro idioma, mas também conhecer o inglês arcaico e a mudança linguística e de pensamento no decorrer dos tempos.
Não há motivo nenhum para se gabar de ler uma tradução (a obra mastigada) de Shakespeare.
Sou grata pelas oportunidades que tive, por tudo que conheci até hoje e ainda mais grata por saber que tudo o que conheci não significa nada comparado àquilo que não conheço.

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