domingo, 8 de maio de 2016

A etiqueta da alma

Vivemos em tempos em que desonrar as pessoas publicamente virou rotina. As redes sociais escancaram o que antes era restrito às conversas de boteco.
Numa cultura em que focalizar as falhas alheias e denunciá-las é enfatizada, falar sobre honra parece um tanto quanto retrógado. A questão é ética, e atemporal.
Não ferir a dignidade de uma pessoa perante tanta facilidade requer uma dose cavalar de autocontrole (temperança) e uma conduta ética que ultrapassa o senso comum. O apelo que se faz por meio de piadas é sutil, e de piada em piada jogamos lama nas pessoas.
Ainda mais quando a atitude da pessoa em questão fere nossos valores e a indignação atropela o bom senso.
É tentador demais falar mal de quem nos feriu seja direta ou indiretamente, uma vingança saborosa. E é mais cômodo também usar o “Argumentum ad hominem” (em latim, argumento contra a pessoa) em discussões políticas e/ou teológicas. Vejo isso nas redes sociais o tempo todo!
Pessoas públicas são alvos mais comuns devido à vulnerabilidade por sua exposição constante na mídia. É claro que pessoas não famosas também são atacadas, em menor escala, mas todos são alvo dessa postura que intoxica as redes sociais.
Ouvi dizer que há culturas em que as pessoas são menos mal educadas ao externalizar suas frustrações. Apesar de raro, aqui também há pessoas assim; elegantes no trato com as falhas alheias. Não usam de palavras torpes, fazem suas observações de forma polida, usando eufemismos, metáforas e outras figuras de linguagem, afinal porque não usar um recurso tão rico em nossa comunicação?!
André Comte-Sponville em seu “Pequeno tratado das grandes virtudes” diz que a polidez é mãe das virtudes. Segundo Sponville: “A polidez é a primeira virtude e quem sabe, a origem de todas.”
Polidez: Postura, comportamento, do que é gentil, que demonstra gentileza, cortesia ou civilidade. Na Linguística: discurso que demonstra cortesia, gentileza, através do uso de expressões que suavizam a autoridade imperativa do locutor.
Penso, se essa virtude fosse mais valorizada e buscada, a internet não estaria infestada de tantas publicações agressivas, muitas vezes disfarçadas de humor. Essas atitudes demonstram uma falha na moralidade pessoal,
Há quem diga que os políticos, e alguns governantes merecem o desrespeito sofrido, pois foram seus próprios comportamentos que geraram a animosidade. Concordo que alguns políticos não se fizeram respeitar, perderam autoridade moral diante da população. E eu mesmo já desrespeitei alguns.
Mas não é disso que estou falando, estou falando de uma disposição em se cultivar tal virtude, e uma vez interiorizada a questão do “eles deram motivos” se torna secundário. Pois desrespeitar a honra e dignidade alheia significará trair nossos princípios. Nesse momento a questão não é mais o que “eles fizeram” para sofrer desonra, mas sim o que “eu faço”.
Quando e “se” chegarmos a esse nível, talvez tenhamos subido um degrau na evolução, talvez...


 “Boas maneiras precedem e preparam o caminho para as boas ações. A moralidade é como a educação da alma, uma etiqueta da vida interior.” André Comte-Sponville

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