quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Exílio





             Após um grave acidente sofri um exílio, fiquei ausente de mim.
         Fisicamente estava completamente imobilizada, principalmente nos primeiros dias, só mexia os olhos. Emocionalmente nem sei, não tinha noção do estrago feito ainda. Não dormia e sentia dores o tempo todo. Quando, após uma semana, comecei a dormir sonhei que andava, não acreditava nisso, até acontecer comigo, depois fui pesquisar. Em entrevista, a deputada Mara Gabrilli relatou essa experiência e também outras pessoas que sofreram o mesmo tipo de trauma.
        Uma forte sensação de não pertencer a mim se instaurou desde os primeiros dias.
        Minha mente esqueceu quem eu era.
       Minha vida parecia como um quebra cabeça desmontado, com peças espalhadas, algumas faltantes. Precisava me remontar, peça por peça. De que forma e por onde começar?
    O acidente havia chacoalhado todas as informações. Conhecimentos, palavras, lembranças, pessoas e tudo o mais que fazia parte da minha vida, parecia como um filme, estavam ali, entretanto o meu cérebro não fazia as conexões necessárias para dar sentido às informações. Mesmo após a recuperação física, vivia no automático; trabalhava, estudava, me relacionava, mas era como se não fosse eu que estivesse ali, estava assistindo a minha própria vida.
       Eu tinha a sensação de saber que sabia, mas não conseguia dar sentido.
      Perguntava todos os dias: “Meu Deus, o que vai ser de mim? Nunca mais voltarei a ser eu mesma? Quem me roubou de mim?"
     Não conseguia falar sobre isso com ninguém, aprendi na faculdade que aquilo que não tem nome, não existe. Como falar de algo que eu não conseguia nomear, identificar? Era como se não existisse mesmo, mas existia. Estava ali o tempo todo. Uma falta, uma ausência desesperadora de mim.

            “Oh. pedaço de mim,
             Oh, pedaço arrancado de mim...
 Oh, metade exilada de mim
 Oh, pedaço de mim
 Oh, metade amputada de mim... ”
          
           
                        (Chico Buarque)

      Um período na minha vida em que a única diferença entre eu e uma pessoa que perdeu a memória, é que apesar de não saber quem eu era, sabia que não tinha perdido a memória. Eu lembrava de tudo, mas era como se não pertencesse a mim, a minha vida, como se tudo que estivesse acontecendo fosse com outra pessoa e eu estava apenas assistindo. Eu tinha sido arrancada da minha vida, da minha história.
   Algumas coisas serviram de terapia; livros, músicas e qualquer coisa que estivesse relacionada com minha recente experiência. Reli Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva, assisti ao filme Menina de Ouro, assisti várias vezes Frida e li reportagens e artigos sobre o assunto. 
      Mesmo não ficando paralitica, tinha a sensação de estar aleijada. Estava amputada, faltava uma parte de mim, e não sabia como recuperar. O que mais podia fazer a não ser orar? Clamar ao Deus da minha salvação?
    Foi quando eu fiz da música “Restitui” uma das minhas inúmeras orações:

           
“Os planos que foram embora
O sonho que se perdeu
O que era festa e agora
É luto do que já morreu
Não podes pensar que este é teu fim
Não é o que Deus planejou
Levante-se ... erga um clamor:
Restitui, eu quero de volta o que é meu
Sara-me, e põe teu azeite em minha dor
Restitui, e leva-me às águas tranquilas
Lava-me, e refrigera minh'alma
Restitui
Restitui... eu quero de volta o que é meu...”

Orava para ser devolvida a mim, para ser restituída de meu ser.
     Foi uma fase de intenso sofrimento e aprendizado, hoje estou recuperada mais emocionalmente do que fisicamente.
            Força de vontade? Um pouco. Destino? Não creio. Milagre? De certa forma sim.
       O fato é que restabeleci o controle da minha vida, voltei a andar, recuperei minha identidade, mas inevitavelmente uma parte se foi, como um casulo que precisava sair para dar lugar às asas.
      Aprendi com esse exílio que nada, absolutamente nada, é definitivamente nosso. Nem mesmo a subjetividade, a pessoalidade, lembranças, memórias, identidade, vivências; tudo isso um dia a gente pode perder, e de um instante ao outro toda sua vida muda.
            São nesses momentos que constatamos que somos poeira


domingo, 13 de outubro de 2013

Os caçadores de polêmicas



Publicam textos provocativos e ácidos no intuito de notoriedade. Há dois tipos de pessoas que entram no jogo: os desavisados que caem na armadilha acreditando se tratar apenas de uma troca de ideias e os cúmplices, aqueles que também são caçadores de polêmicas.
Discorrem sobre temas como homossexualidade, direita x esquerda, aborto, entre outros bem  complexos; assim eles podem desfilar seu amplo repertório filosófico, sociológico, histórico e antropológico para defender seu ponto de vista. Se vangloriam de ter argumentos (quase) incontestáveis. Usam termos já desgastados como “vai estudar” e “contra fatos não há argumentos”. Num afã por prestigio chamam ao ringue seus amigos para um “debate inteligente”, numa competitividade de jardim da infância.
Em busca de popularidade, causam frisson, geram contendas, fazem fuxico que não contribui em nada com uma real mudança. Qualquer um que se coloque em posição contrária é logo taxado de preconceituoso, aliás o fator preconceito é um argumento tão raso quanto o “vai estudar”.
Vanglória é glória vã, vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
Discussões que geram contendas, animosidade entre amigos por  “quinze minutos de fama”? Tô fora!

Carta ao meu futuro marido

        


       Minha intenção era ter um homem que fosse um amigo,  que meu marido fosse  meu melhor amigo, você é esse homem. Meu amor:  antes da nossa relação ser romântica, éramos amigos, exatamente como gostaria que fosse.
Para as pessoas que não conhecem a nossa história sempre ouviremos: “onde se conheceram?” Estou preparada pra responder essa pergunta milhares de vezes até o fim. Mesmo em momentos que ficará cansativo contar tudo de novo, terei prazer em narrar nosso encontro de almas para não deixar que a crença no amor se apague. Que nossa história (re)acenda a esperança no amor.
Serei sempre grata ao Senhor que trilhou nosso caminho e fez a bifurcação de nossas histórias. E não me importa se as circunstâncias foram ruins ou boas, o importante é que estamos juntos.
Sei que no começo tínhamos ideias diferentes a respeito do outro, mas o tempo com qualidade aprofundou nossa relação e tivemos a oportunidade de nos conhecermos bem. 
Sei  muito mais sobre você do pensava querer saber sobre alguém, porém não foi tão rápido como a ansiedade feminina prevê.
Mas soube nas primeiras conversas que era para você que eu queria abrir meu coração e  deixá-lo morando por muito tempo.
Você soube me conquistar no tempo certo, nem muito cauteloso, nem atirado demais. O “timing” é um dos sinais de que a pessoa certa entrou em nossa vida.
Conquistou-me, sendo romântico de um jeito todo especial e único: o seu.
 Deixando meus dias mais leves, deixando também um sorriso discreto e bobo ao pensar em nossos momentos.
O conforto de saber o que pensamos sem precisar de intermináveis discussões desnecessárias. Claro que tivemos muitos conflitos e continuaremos ter, pois assim se constrói e mantêm uma relação saudável, mas o fato de  respeitarmos nossos limites me apazigua. Sei que o limite de nossas discussões será o do consenso, sem chegar ao ponto de nos ferirmos.
E se por instinto puramente humano nos ferirmos, estamos disponíveis ao perdão e ao recomeço.
Amar você me faz ver todos os homens lindos como um quadro: apenas para admirar, pois só você toca a minha alma. Talvez seja por isso que o ciúme nunca foi nosso inimigo. Sei que para você as outras mulheres são obras de arte: belas e intocáveis, não por proibição, mas por saber diferenciar erotismo de amor. Pode ser que um dia sintamos desejo por outra pessoa, mas nosso amor será sempre prioridade.
Quero por fim agradecê-lo, por caminhar esta estrada tão tortuosa junto comigo, a estrada de construir um relacionamento sólido; estrada íngreme, cheia de buracos, desníveis e repleta de curvas.
Abrimos mão de tantas coisas para continuar seguindo juntos porque acreditamos que amar não é olhar um para o outro, mas olharmos juntos na mesma direção. 
Sonhamos os mesmos sonhos e temos como  propósito  o fim supremo.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O Inominável


 
A construção da identidade é a construção do significado existencial da pessoa. Ninguém vive sem nenhum fragmento de significação existencial, sem qualquer rastro de sentido, a vida não é possível. O vazio de identidade é de tal gravidade que produz a falência da linguagem para dar conta da realidade da inexistência.
Durante certo tempo tentei descrever a sensação de ter perdido a si mesmo, de se ter uma buraco negro dentro da alma. Eu que gosto tanto de palavras fiz um esforço para que alguma coubesse em minha Ausência. Esmiucei o dicionário, acabei com o estoque de adjetivos para tentar qualificar meus sentimentos, nenhum vocábulo foi suficiente para descrever meu estado. Descobri que diante de um grande vazio, de um deserto absoluto, a única resposta possível é o silêncio.
O peso do nada decreta a própria impossibilidade de ser e estar no mundo.
A vida vazia de significações em sua condição humana nos torna estranhos a si mesmo.
Se o vazio de significação não permite dizer, o vazio de si não permite calar.
Ecos do vazio quase me impossibilitam de expressar a realidade.
No caminho contrário do silêncio está a palavra, usada não para fugir da realidade, mas para mergulhar nela e reencontrar-se.
Por isso sou toda palavras, sou poeira do Verbo.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ânima

Que vida é esta?
Que não me basta?
Não me abala?
Nem me toca!
Os poemas já não me suprem
Escrevo por paixão
Escrevo pra viver
Respirar não me é suficiente
Então murmuro, suspiro
Grito ao vento...
...pelo segredo
...pelo desejo
De sentir a vida pulsar em meu espirito.

Agonia de poeta


Preciso do Pessoa
Preciso do Bandeira
do Leminski
Preciso sair desse estado asmático
Meu coração está sufocado
pela falta de palavras
pela falta de definições
Que pesar!
Drummond, venha salvar-me!

Missões



Cada vez que o assunto “Missões” está em pauta uma das coisas que mais ouço é que não podemos ficar na zona de conforto. O lema é: tem que sair da zona de conforto.
Zona de conforto, o que seria isso? Sair do comodismo para ajudar o próximo? Ir a lugares longínquos?
Sempre fui do tipo de pessoa que acha que antes de tentar varrer a calçada do nosso vizinho temos que verificar se a nossa casa não precisa de uma faxina.
E a conversa sobre ajudar o próximo, como fica? No meu entendimento o próximo é o mais próximo mesmo, aquele que está geograficamente perto de mim.
Considero muito importante e louvável as pessoas que se dispõem a ir até os confins da Terra para oferecer ajuda. Há os missionários que trabalham no nordeste, os médicos sem fronteiras, ONG's que visitam diversas cidades e países para doar um pouco de calor humano, os que visitam asilos e casas de recuperação de dependentes químicos, enfim diversos trabalhos voltados a atender as necessidades e resgatar a dignidade humana.
Apoio todos com essa finalidade, a causa de devolver a humanidade para as pessoas é sempre justa.
Eu, no entanto, tenho muito o que fazer no meu próprio meio. Minha consciência muitas vezes me chama a ajudar as pessoas ao meu redor. E isso não é desculpa para ficar na zona de conforto, como muitos dizem. O fato é que me sinto vocacionada a ser uma influência positiva no meu próprio meio. E olhem que isso não é fácil, pois no convívio sempre com as mesmas pessoas o desafio é imenso, o dia a dia arranca qualquer máscara de bom samaritano que se pretenda usar.
O trabalho missionário é tão importante, impactante e desgastante na zona de conforto (onde vivemos) quanto fora dela.
Aliás, acredito que existam pessoas que fazem trabalhos voluntários para justamente ficar na zona de conforto. Para alguns é mais fácil visitar crianças no orfanato do que lidar com seus sobrinhos. Existem pessoas que fazem visitas ao asilo, mas mal conversam com seus avós. Sei também que existe toda uma boa vontade e a pessoa em questão é cheia de boas intenções. Isso não é de forma alguma uma crítica àqueles que fazem esses trabalhos, é apenas uma visão particular a respeito de missão.
Porque campo missionário é toda e qualquer pessoa que se encontra longe de Deus. Esse campo pode ser perto de mim ou não. E zona de conforto não é um local geográfico e sim uma postura pessoal. Podemos impactar vidas em nosso próprio trabalho diário, em nossa família, no círculo de amigos, basta ter uma visão clara de que ser voluntário não é a única forma de ser missionário.
Cada um deve examinar a si mesmo e tomar consciência de seu chamado. Identificar para onde foi vocacionado a agir é um dos pontos principais para cumprir a missão. A partir dessa identificação não desperdiçamos tempo, energia e nossos talentos em algo do qual não fomos chamados. Isso não significa que é perda de tempo ajudar as pessoas fora do nosso chamado, “fazer o bem sem olhar a quem”, só para relembrar. Mas estou dizendo que quando identificamos nossa vocação, o que fazer e onde fazer, podemos ser mais uteis porque nossos dons são potencializados quando nos sentimos realizando o que fomos feitos para fazer.
E quando recebemos uma vocação, recebemos junto a condição necessária para realizar o chamado, recebemos a vontade, a paixão, o desejo e as oportunidades.

Porque é Ele quem opera em nós, tanto o querer quanto o realizar.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Mundo líquido

A futilidade da vida me consome
A busca pelo transitório é um soco
Correr pelo pão nosso de cada dia, espancamento
A sensação de ser mastigada por Chronos me abate a cada manhã
Quero Kairós
quero viver histórias abensonhadas
Confiar no futuro é um ato heroico
A fé é um dom, um presente
Não sei onde colocar a saudade de Casa
onde guardar a dor
não aprendi a sofrer
as palavras me sequestram
desnudo minhas verdades
rasgo minhas fantasias
pensamentos imperfeitos
emoções inconstantes
Procuro dar sentido a falta de conexão
meu coração é cheio de estrangeiros
mente povoada de utopias
peregrino pelas noites escuras
enquanto a Luz não chega.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Eterno e o Transitório







Esse é um dos livros que mais gostei de ler " O Eterno e o Transitório", cujo textos estão encharcados de filosofia e teologia, dois grandes interesses do autor.
Tenho eu também um imenso interesse por esses temas. A filosofia e a teologia são irmãs e caminham lado a lado em minha trajetória.
Uma me ensina a lidar com o transitório, a outra me prepara para a eternidade. A filosofia me ajuda a entender o mundo em que vivo, a teologia me dá pitadas de compreensão acerca do mundo que me aguarda.
A filosofia esclarece um pouco de quem eu sou, a teologia me diz a respeito de quem Ele é.
É neste jogo de paralelos complementares que Diogo Santana escreve sobre coisas comum a todos: perdas, alegrias, amor, solidão; tudo isso tendo como pano de fundo sua identidade espiritual e sua grande paixão pelo oficio de escritor.
Questiona-se sobre sua vocação e o sentido da existência, um autêntico idealista. Entre uma reflexão e outra há espaço para resenha de livro, filme e teatro, também analisando a mídia e a literatura.
Sua entrega e dedicação ao chamado é evidente, fiquei na dúvida se o autor é devoto por vocação, ou foi vocacionado pela sua devoção.
Além da devoção e da vocação, o senso de “forasteiro na terra” e a busca por sentido são os principais ingredientes do livro, fruto de uma consciência que reflete a a totalidade da vida.
Seu amor pelas Escrituras está em cada linha e sua paixão pela Cruz é sentida em cada palavra.
Diogo, estou contigo entre O Eterno e o Transitório

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Logos



 

À deriva entre o verbo e o Verbo, eis meu cotidiano

Meu coração se divide entre a teologia e a literatura

Com fome de palavras e sede da Palavra

Em constante contemplação e hesitação

Anelo a redenção

Mergulho no silêncio

Ancoro no Logos.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Justiça

Tenho pensado ultimamente sobre o conceito de justiça. Ouvi há alguns dias um colega de trabalho dizer algo mais ou menos assim: “Não é justo, não é justo que eu ande de carrão e haja pessoas que não tenham onde morar ou o que comer.” Falávamos sobre um trabalho social do qual ele participa ajudando moradores de rua.
E tanto se fala sobre justiça, ela tem muitas faces. Crimes acontecem e as pessoas pedem justiça, há duas semanas começou o quadro “Vai fazer o quê?” no Fantástico em que questiona a ação das pessoas diante de uma injustiça. Um dos argumentos dos ateus é sobre a permissividade de Deus perante a injustiça.
Aprendi bem cedo que o mundo não é justo, e vamos combinar que a vida também não é justa, as pessoas não são justas, nem Deus é justo, porque se Ele fosse justo, eu não existiria.
Essas afirmações partem do principio do merecimento. Normalmente quando as pessoas falam em justiça, o que está embutido no discurso é o merecimento, fulano merece isso, sicrano não merece aquilo e por aí vai.
Se olharmos pelo prisma meritório, fica fácil desacreditar na justiça. Toda vez que julgamos se algo/alguém merece ou não estamos fazendo um julgamento baseado em nossos próprios critérios, nosso senso de justiça nos diz que quem faz tem que pagar, que é injusto fulano que “nunca fez mal pra ninguém” sofrer tanto. Mas nossa visão é limitada, o julgamento é carregado de conceitos e pré conceitos do nosso pequeno mundo, está preso a nossa bagagem de vida, ao nosso histórico dificultando uma avaliação neutra. Se o julgamento totalmente imparcial é impraticável, como saber se estamos mesmo sendo justos com as pessoas?
Em “Os Miseráveis”, o personagem Jean Valjean recebeu abrigo e comida do bispo, mesmo assim roubou a prataria da casa. O que ele merecia sendo um ex presidiário? Voltar para a prisão é a resposta lógica, mas o bispo não só o perdoou, como também lhe ofereceu mais prataria para que vendesse e iniciasse uma nova vida. A misericórdia (não receber o que merecia) “quebrou” o coração do ladrão e o regenerou.
Aprendi com Victor Hugo, que o bem vence o mal quando a misericórdia é colocada acima da justiça. E depois o Evangelho me confirmou que a verdadeira justiça trilha as estradas da compaixão e da misericórdia. Todas as vezes em que Jesus se compadecia das pessoas e exercia misericórdia, a roda da justiça se movia.
A justiça pela justiça, por si só, não faz sentido. A justiça deve ser movida por amor ao seu semelhante.
Cada vez que perdoo quem supostamente não merece, estou ajudando o bem triunfar sobre o mal, e há situações em que sofrer as consequências pelos erros é inevitável. A justiça acompanhada pela bondade pode gerar uma mudança genuína.
No caso de alguém estar sofrendo as consequências de seus erros, ainda assim, posso ser movida pela compaixão. Não atirando pedras enquanto o outro está acorrentado em seus erros, permitindo que haja espaço para arrependimento e mudança. Permitir que o outro receba o que eu gostaria de receber se estivesse em seu lugar é a base de uma justiça compassiva.
A justiça dá o que merecemos, a misericórdia “quebra” o coração e a compaixão nos capacita para a justa medida. Porque a justiça sem amor não é justiça, é mera punição.
O amor é a chave que gira a fechadura da (in)justiça e abre as portas para um mundo em que todos desejam viver.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Cadê o amor?

Cadê o amor?
Cadê?
Falaram-me que eu tinha que buscá-lo
que eu o encontraria no outro
fui buscar, não achei
Disseram-me que ele mora dentro de mim,
tentei, não encontrei
Cansei de “disse-me disse”
Cansei de procurar e não encontrar
Onde se escondeu?
Cadê?
Cadê o amor?

Onde você foi morar?
Brincando de esconde-esconde
fantasiado de romance
quase acreditei
Cadê o amor?

Fico na janela a te esperar
o amor não vem
Penso em você só de vez em quando
Penso que a ansiedade não te traz
Sossego e entro no barco da espera paciente
De tão paciente, quase fico doente
o vírus da carência ataca
Cadê o amor?
Cadê?

Adoecida com a sua falta
Procuro remédios para os sintomas da carência
Fico vulnerável
Cadê o amor?
Cadê?


Fico a te contemplar
Até o dia em que o encontrarei num mergulho mortal

domingo, 11 de agosto de 2013

Crash

Crash (No limite) é um filme pós 11 de setembro, o que agrava a xenofobia dos americanos, um dos ingredientes do roteiro além de racismo, segregação e discriminação social.
Assisti pela primeira vez pouco tempo depois do lançamento em 2004. Na semana passada falei com um amigo sobre o filme Malcolm X, e reassistindo Crash, eu penso ser este mais contundente, pois não trata só de racismo, mas de outras questões que envolvem o racismo, trata de preconceitos generalizados.
O roteiro conta com diversas histórias e personagens que se entrelaçam no decorrer na trama. E esses personagens surpreendem revelando nosso próprio pré-conceito. Aquele que mais demonstrava preconceito acabou por ter atitudes contrárias em relação aquele que parecia se incomodar com o preconceito do colega. As comunidades hispânicas e orientais foram alvo do roteiro também. Pessoas do oriente médio foram hostilizadas e personagens hispânicos tratados como bandidos.
O filme retrata muito do que não é falado, de tabus, de assumir que todos nós temos algum tipo preconceito. Somos intolerantes com o diferente, o que aumenta a insegurança de uma vida justa e fraternal.
Levanta questões do tipo: o que faz as pessoas se odiarem sem ao menos se conhecerem?
A lição que eu tirei: não permita que seus pré-conceitos conduzam sua vida, amarre seus monstrinhos, dome-os e aprenda a viver com eles. Uma forma de impedir que esses monstrinhos mordam alguém, e talvez exista uma possibilidade de extingui-los de vez. O segredo está na resiliência humana, na capacidade de cada indivíduo fazer novas escolhas, de perceber como nós temos o poder de moldar o futuro, podemos criar uma humanidade mais feliz, como diz o Ivan Lins “Depende de nós”.

As aventuras de Pi

As aventuras de Pi é, acima de tudo, uma viagem, uma história de sobrevivência de um naufrágio. O que temos de novo, em termos de uma história de um naufrágio, é o tigre bengala como companheiro de Pi.
Logo no início do filme, somos apresentados a um repórter que procura por Pi Patel para que ele apresente-o a uma história que o faria acreditar em Deus.
A questão filosófica ou, teológica - é o último dos pilares que sustentam essa aventura. O personagem Pi não está em uma busca pela espiritualidade, nem por Deus, ele foi apresentado a diversas religiões quando criança.
A questão é simplesmente fé, acreditar no inexplicável e no intangível, no que os olhos não veem e a Ciência não comprova.
Pi teve que contar outra história para os que não acreditam no que havia contado, as aventuras de Pi, então tem duas versões.
E no final quando Pi pergunta ao repórter em que versão da história ele acredita, o repórter diz que acredita na primeira versão, a do tigre.
Enfim, o cético acreditou no inacreditável.

Ensaio sobre a cegueira

Ensaio sobre a cegueira, filme baseado na obra de José Saramago.
Numa cidade grande, o trânsito é subitamente atrapalhado quando um motorista de origem japonesa, não consegue dirigir e diz ter ficado cego. No dia seguinte ele e a mulher vão consultar um oftalmologista, esse diz que uma "luz branca" impede a sua visão. Pouco tempo depois, todas as pessoas que tiveram contato com o primeiro cego também ficam cegas. O governo coloca de quarentena os doentes, em uma instalação vigiada. A mulher do oftalmologista é a única que não é afetada, mas finge estar com a doença para acompanhar o marido em seu confinamento.
A bestialidade humana é aflorada, em diversos momentos os cegos passam a seguir seus instintos animais. O caos reina e a degradação humana se faz presente.
Saramago mostra as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono. Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da personagem principal, a mulher do médico, pois ela além de ter a visão, é lúcida sobre os últimos acontecimentos, bizarros para dizer o mínimo.
Num mundo de cegos, aquele que enxerga é o que normalmente mais sofre, pois sendo muitas vezes um guia, nada pode fazer para curar a cegueira dos que estão ao seu redor, é uma sensação de impotência. Ao mesmo tempo, aquele que enxerga vive um estado de indignação perante as circunstâncias caóticas, e tem a responsabilidade de agir perante coisas em que os cegos não podem agir, pois não enxergam.